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O director do departamento africano do Fundo Monetário Internacional (FMI), Abebe Aemro Selassie, defende que a inflação, a política monetária, a dívida e as condições de vida são as quatro áreas prioritárias de acção para os governos da região. A medicação é sempre a mesma, quer o “doente” se chame Alemanha ou Burkina Faso.

Abebe Aemro Selassie, o prescritor de serviço do FMI, diz que “há quatro nuvens no horizonte, que vão requerer medidas políticas determinadas, a começar pela inflação, que está demasiado alta e acima de dois dígitos em 14 países; depois, pressões nas taxas de câmbio, acompanhadas de vulnerabilidades da dívida e o aprofundamento das divergências económicas na região”, disse Abebe Aemro Selassie.

Brilhante. Aplicável em todos os lados e em todas as esquinas. E com total sucesso. Os povos que se sujeitaram à medicação sugerida pelo FMI comprovam que só os vivos morrem e, mais do que isso, que quem não morrer estará vivo…

Falando durante a conferência de imprensa de apresentação do relatório sobre as Perspectivas Económicas Regionais para a África subsaariana, que decorreu no âmbito dos Encontros Anuais do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, o responsável vincou que “2023 tem sido um ano difícil para a actividade nas economias africanas”, com a guerra na Ucrânia a impulsionar as taxas de juro a nível mundial.

Este aumento causa um abrandamento na procura mundial, subida das taxas de juro e pressões sobre as taxas de câmbio, o que fará com que o crescimento desça de 4%, em 2022, para 3,3% este ano, acrescentou. Apesar do brilhantismo e eruditismo de Abebe Aemro Selassie, qualquer zungueira dirá – à sua maneira – a mesma coisa.

No que diz respeito à questão da dívida dos países da região, cuja média do rácio sobre o Produto Interno Bruto deverá ultrapassar os 60% este ano, Abebe Selassie disse que é preciso garantir o cumprimento das obrigações ao mesmo tempo que se cria espaço para a despesa no desenvolvimento.

“Para boa parte da região, a política orçamental dever adaptar-se a um envelope de financiamento menor e a elevadas vulnerabilidades da dívida, o que envolve uma melhor mobilização de recursos internos, uma abordagem estratégica sobre a despesa, prudente endividamento e uma política orçamental ancorada num enquadramento credível de médio prazo”, diz o expert do FMI, quase parecendo José de Lima Massano.

Nos países onde a dívida é insustentável, uma reestruturação pode também ser necessária, disse Selassie, no dia a seguir a, numa entrevista à agência de informação financeira Bloomberg, ter dito que oito países estavam em situação de sobreendividamento, entre os quais estão Gana, Zâmbia e Chade.

“Com grandes necessidades de desenvolvimento e limitado espaço orçamental, a maior parte dos países precisa de maior apoio financeiro por parte dos doadores”, concluiu Selassie.

Recorde-se que em 12 de Dezembro de 2012, o então chefe de missão do FMI deu uma palestra na Ordem dos Economistas de Portugal, onde falou sobre a situação económica de Portugal no passado, no presente e no futuro.

Abebe Selassie deixou várias ideias no ar, sobre como Portugal devia encarar o futuro, como a reestruturação da banca, e recomendou mesmo que devia ser feito um debate alargado em Portugal sobre qual o modelo de Estado Social que o país pretendia no futuro.

Sobre a reestruturação da banca, disse que “os bancos precisam de mudar o seu modelo de negócios se quiserem evitar mais um ciclo de elevada alavancagem”. Para Abebe Selassie, os custos das operações dos bancos eram elevados e é “muito importante a redução de custos” para melhorar as condições de financiamento dos bancos e do próprio país.

Selassie destacou também a importância do novo mecanismo de compra de dívida do Banco Central Europeu (BCE), o mecanismo de transacções monetárias definitivas (OMT, na sigla em inglês) para corrigir a ineficiente transmissão monetária na moeda única.

“É muito claro que o mecanismo de transmissão monetária não está a funcionar como devia. Isto é algo que precisa de mudanças de política da zona euro”, afirmou.

Quanto ao chamado Estado Social (ou providência, é uma forma organizativa de sociedade dar uma resposta colectiva às necessidades de cada uma das pessoas), Abebe Selassie disse que “se quiserem ter um grande estado providência em Portugal, tudo bem, mas têm de saber como pagar por ele”, explicando que “é possível ter um Estado baseado no modelo escandinavo, mas para isso é necessário um sector exportador muito dinâmico. Esse é um debate necessário.”

Sobre o sector público, Abebe Selassie considerou (2012) que ainda existia “margem para reduzir as ineficiências no sector público”, exemplificando com os gastos com pensões, que afirmou estar “entre os mais elevados na zona euro, cerca de 15% do Produto Interno Bruto”. O grande problema, disse, é que embora Portugal seja dos países que proporcionalmente mais gasta em pensões, também é um dos que tem maior risco de pobreza entre idosos.

Quanto ao aumento da dívida pública deve-se, de acordo com este perito itinerante, à reclassificação das PPP (Parcerias Público-Privadas) e empresas públicas. Ora, segundo Abebe Selassie, é errado atribuir o crescimento da dívida pública à crise, porque estas devem-se à entrada das despesas das PPP e das empresas públicas nas contas do Estado.

“Uma das coisas que as pessoas nos dizem é que o crescimento da dívida pública é um resultado da crise. Acho que é uma visão errada, porque a política orçamental foi expansionista, mas também porque muita da despesa que fizeram com Parcerias Público-Privadas e empresas públicas, entrou nas contas públicas. Grande parte do aumento da dívida pública deve-se à reclassificação destas entidades em contas nacionais”, disse Abebe Selassie.

Portugal não era a Grécia. “Acho que nesta conjuntura não se querem comparar com a Grécia”, disse Abebe Selassie, realçando que os progressos do país estavam a ter resultados visíveis com a queda dos custos de financiamento e que seria melhor para Portugal continuar a avançar com o programa de austeridade cega e evitar associações com a Grécia, devido à possibilidade que foi avançada de Lisboa beneficiar das novas condições para Atenas concedidas pelo Eurogrupo.

Quanto às dívida pública e privada, Abebe Selassie criticou duramente tanto o endividamento do Estado como o endividamento dos privados. “A política orçamental foi completamente indisciplinada”, acusou, criticando também o sector privado. “Um factor distintivo de Portugal era a elevada alavancagem do sector privado, algo que foi alimentado por mercados internacionais e bancos domésticos complacentes”, disse.

Na altura, Abebe Selassie disseque o famigerado Programa da Troika começaria a dar resultados em 2013, mostrando-se muito optimista quando falou sobre os resultados do ajustamento orçamental que estava a ser efectuado em Portugal. Abebe Selassie disse que muitos dos resultados do programa só seriam visíveis no médio e no longo prazo, devido às reformas estruturais em curso.

Abebe Selassie apontou que Portugal deveria voltar ao crescimento “na segunda metade do próximo ano” (2013) mas sublinhou que este estaria dependente da evolução dos mercados internos.

Na opinião deste quadro do FMI, Portugal não se adaptou às transformações globais. Razão pela qual as políticas públicas portuguesas “não foram capazes de responder a desenvolvimentos” como a globalização e a entrada da China nos mercados globais, a revolução das tecnologias digitais, a criação do euro e a crise financeira global.

Abebe Selassie disse reconhecer que Portugal registou “um grande aumento do desemprego, que duplicou, e que existia uma grande pressão sobre as famílias”. Os portugueses “fizeram sacrifícios consideráveis até agora, evidentemente, mas conseguimos grandes progressos”, afirmou, considerando que houve uma redução dos “desequilíbrios macroeconómicos que caracterizavam” a economia portuguesa, como a redução das taxas de juros sobre a dívida soberana, a redução do défice externo e o equilíbrio orçamental.

A mensagem da Abebe Selassie foi tão bem aceite pelo governo da altura (PSD/CDS) e pelos portugueses a ponto de, nas eleições seguintes, os cidadãos rejeitarem maioritariamente essa estratégia, dando uma maioria parlamentar aos partidos que prometeram mandar a Troika ir dar uma volta.

Folha 8 com Lusa

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